Como o PL 4330 pode atingir os direitos dos trabalhadores

O Sindesc conversou com a juíza do trabalho aposentada e membro do Opinio Iuris Instituto de Pesquisas Jurídicas, Antônia Mara Vieira Loguércio, e também com o presidente do Sindesc Luiz Fernando Lemos, sobre o Projeto de Lei (PL) 4330, que trata das terceirizações em todas as atividades das empresas.

Dra. Mara, o PL 4330, aprovado pela Câmara dos Deputados, representa a liberação da terceirização para todas as atividades das empresas. Qual o reflexo que esse projeto terá para os trabalhadores? Irá reduzir direitos e precarizar as relações de trabalho? Como?

Por enquanto não há previsão legal de trabalho prestado através de outra empresa. O contrato de trabalho se dá com a pessoa física do trabalhador (art. 2º da CLT) que é insubstituível e é sujeito de todos os direitos assegurados no art. 7º da Constituição e dos que constam da Consolidação das Leis do Trabalho. As primeiras leis que instituíram o trabalho prestado por outra empresa que subcontrata trabalhadores para prestar serviços são: a Lei 6019/74 que trata das empresas de trabalho temporário e a 7.102/83 que […] estabelece normas para constituição e funcionamento das empresas particulares que exploram serviços de vigilância e de transporte de valores, e dá outras providências. Ambas do tempo da ditadura.

A Lei 6019/74 previa entre outras coisas a extensão de quase todos os direitos assegurados aos trabalhadores da empresa tomadora para os da prestadora ou terceirizada. Por isso não houve interesse na sua aplicação. Já a dos vigilantes (segurança privada) passou a ser aplicada não apenas para as instituições financeiras, mas para todos os tipos de atividade econômica, considerando-se uma categoria à parte que, hoje, tem sindicato e atividade próprios.

Foi o Tribunal Superior do Trabalho ao alterar a sua Súmula que “legitimou” a terceirização tal como existe hoje. Inicialmente a Súmula 256 dizia apenas que era ilegal o trabalho contratado por interposta pessoa, formando-se o vínculo direto com o tomador. Se aparecesse uma empresa terceirizada, cabia à Justiça do Trabalho declarar ilegal aquele vínculo e reconhecer o contrato de trabalho direto com a empresa principal com todos os direitos assegurados aos demais trabalhadores. Mas a Súmula 331, embora para as atividades em geral tenha mantido esse entendimento, abriu várias exceções em que passou a admitir a terceirização: o serviço público, sob a alegação de que não poderia se criar o vínculo direto pela exigência de concurso público, os vigilantes, o pessoal de limpeza (embora sem lei específica que o preveja) e as atividades meio, isto é as atividades que não estiverem incluídas na finalidade específica da empresa. Além disso, prevê que a responsabilidade do tomador de serviços fosse subsidiária e, com nova alteração prevê a responsabilidade subsidiária dos entes públicos só em caso de dolo ou culpa.

Se vigorar o PL 4330, nos termos em que foi aprovado pela Câmara, essa possibilidade se estende a todas as atividades o que significa que uma empresa metalúrgica, por exemplo, pode manter um número ínfimo de trabalhadores contratados por ela, com todos os direitos assegurados na lei e nos convênios coletivos da categoria e o restante dos trabalhadores serem todos contratados por empresas prestadoras. Com salários bem inferiores e sem pagar os direitos que são assegurados em lei ou nos convênios coletivo. As empresas prestadoras normalmente não têm nenhum lastro econômico para manter os contratos. O mais comum é antes mesmo de terminar seu contrato civil com a empresa tomadora dos serviços, a prestadora desaparecer, sumir no mapa e não deixar verba nem mesmo para pagar os direitos rescisórios do trabalhador. Imagina-se com a previsão para, digamos 95% da população trabalhadora? Não prevalecerá mais nenhum dos direitos assegurados por lei e nem os sindicais sob a desculpa de que a atividade empresarial da empresa empregadora direta (terceririzada) não será metalurgia e sim “prestação de serviços”.

Atualmente, algumas empresas, e até mesmo o setor público, utilizam mão de obra terceirizada. Isso é legal? É constitucional?

A resposta já foi dada no item anterior, quanto à legalidade. Previsão legal só existe para os vigilantes e as empresas de trabalho temporário que não são as terceirizadas de hoje. O restante é apenas interpretação do TST, equivocada no meu entender. Quanto à constitucionalidade, entendo que as premissas da Súmula 331 do TST e, muito mais ainda, a extensão feita pelo PL4330 são flagrantemente inconstitucionais. Nosso sistema constitucional adota aquilo que em Direito se chama o princípio da progressividade ou do não retrocesso social, o que quer dizer que nenhum direito social ou trabalhista pode ser reduzido, apenas ampliado. No caso do Brasil, este princípio é expresso na Constituição quando estabelece no art. 7º: São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social. Portanto qualquer legislação, interpretação jurisprudencial ou norma coletiva que venha a complementar os direitos arrolados na Constituição só podem ser constitucionais se “visarem à melhoria de sua (dos trabalhadores urbanos e rurais de todo o país) condição social”. Ora, não é, decididamente, o caso quando se permite a contratação por interposta pessoa por empresas formadas de forma fraudulenta, sem condições econômicas e rebaixando os salários e todos os direitos dos trabalhadores que ainda têm que enfrentar um verdadeiro sacrário judicial até chegar nos bens da empresa tomadora para ver seus direitos elementares respeitados!

Além disso, o primeiro dos direitos assegurados nos incisos do art. 7º é a I – relação de emprego protegida contra despedida arbitrária ou sem justa causa, nos termos de lei complementar, que preverá indenização compensatória, dentre outros direitos. A relação de emprego, conforme definida nos artigos 2º e 3º da CLT é o contrato firmado com pessoa física, de forma contínua, isto é, não eventual, por conta alheia, de forma subordinada e mediante salários. Pela previsão do PL 4330 e mesmo nas atuais terceirizações, não se forma uma relação de emprego entre empresa e trabalhador e sim uma relação civil de prestação de serviço entre a empresa tomadora e a prestadora. Para isso não há previsão na Constituição da República que prevê como direito primeiro a relação de emprego. O PL4330 prevê que até uma pessoa física (falsamente denominada pessoa jurídica) possa realizar prestação de serviço para a empresa tomadora, no caso por conta própria e, portanto sem nenhum dos direitos trabalhistas. É a “pejotização” geral do trabalho, excluindo a relação de emprego e todos os direitos trabalhistas de uma só vez. Mesmo que, de fato, haja subordinação e quem se aproveite do trabalho prestado seja a empresa tomadora, o que caracteriza o trabalho por conta alheia.

É preciso ressaltar que mesmo que o PL4330 fosse uma PEC ele não poderia prosperar porque o art. 7º está inserido no Capítulo II do Título II da Constituição Republicana e este Título trata dos Direitos e Garantias Fundamentais. Segundo o entendimento de nossos melhores constitucionalistas, o art. 60 da Constituição não permite reforma nem por Emenda Constitucional, mas só por Constituinte originária, para os direitos individuais que são os assegurados para todos os constantes do Título II.

No caso das repartições públicas e das empresas públicas e de economia mista, a inconstitucionalidade ainda é mais grave porque a terceirização é uma deslavada fraude à exigência constitucional do concurso público. Se não se cria o vínculo com a Administração porque há a exigência do concurso público, é mais do que evidente que não se pode formar nenhuma relação com o serviço público sem a prestação do concurso. Como observar as demais exigências do art. 37 da Constituição: a legalidade, a impessoalidade, a moralidade, a publicidade e a eficiência? Se se admite que uma pessoa preste serviço à administração pública sem prestar concurso público já está desatendendo à legalidade e à própria constitucionalidade; o administrador público (e isso tem acontecido na prática) pode exigir da empresa contratada para prestar serviços que empregue todos os seus apadrinhados políticos ou pessoais, incluindo familiares porque – sem concurso – não fica assegurada a impessoalidade; por aí se abrem todas as portas para a prática de todas as imoralidades imagináveis; a publicidade também não é atendida porque, ao contrário do concurso público que tem edital para sua realização e, depois, portaria de nomeação dos aprovados, no caso do serviço terceirizado o contribuinte ou cidadão comum não fica sequer sabendo quem foi contratado para prestar serviço na repartição pública. E a eficiência – como, aliás, tem sido comprovado na prática-, não pode ser assegurada por uma lei elementar “do mercado”, qual seja se o serviço é “mais barato” é porque tem “menor qualidade ou eficiência”.

//A exigência do concurso público atende a dois direitos públicos subjetivos: o de qualquer cidadão saber que pode nas condições estabelecidas, chegar ao cargo público através de concurso e em condições de igualdade com os demais concorrentes; e o de cada cidadão que tem direito à administração proba e que cumpra a Constituição e à Lei. Portanto a prática da contratação por interposta pessoa ou por empresa terceirizada, sem concurso, agride a esses dois direitos públicos subjetivos e é um gravíssimo atentado à Constituição//.

O que está por trás deste PL 4330? Além dos direitos dos trabalhadores também pode influenciar nos serviços de responsabilidade do Estado Brasileiro, como saúde, educação e segurança, já que pode reduzir a arrecadação em todas as esferas públicas?

É evidente que havendo menores salários e menores direitos, diminui a arrecadação pública que incide sobre eles e isso se reflete na saúde e na educação e na qualidade de todos os serviços públicos.

Existe indícios que, se o PL 4330 vigorar, possa reduzir salários, aumentar carga horária e precarizar relações do trabalho como aumento dos índices de doenças e acidentes do trabalho?

Não apenas indícios, já há comprovação de que isso ocorre nos atuais marcos da terceirização. É uma grande mentira dizer que o Projeto visa a regulamentar (ou proteger) os trabalhadores que, na prática social e com a tolerância da Justiça do Trabalho são terceirizados. O que o PL fez foi estender as condições precárias, com menores salários, menos direitos e maior incidência de acidentes e doenças profissionais para todas as atividades.

Presidente Luiz Fernando Lemos, como a terceirização poderia atingir os empregado sem escritórios e empresas contábeis?

Caso este Pl 4330, passe pelo Senado e a Presidenta Dilma não vetar, os escritórios e empresas poderão, por exemplo, terceirizar o departamento pessoal. Assim em época de folha de pagamento poderia se contratar uma empresa que faria a folha e iria embora, voltando no mês seguinte. Claro que isso seria ruim parra todas as partes, empregados, empresas e clientes, se perderia o vínculo de confiança e de credibilidade, muito característico da nossa categoria. Por isso, é importante que estejamos alertas e mobilizados para impedir que esse projeto passe pelo Senado. Vamos às ruas e vamos lutas pelos nossos direitos.

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